Era um dia de escola como outro qualquer. Alice já tinha o material
pronto de véspera. Organizada, não gostava de deixar as coisas ao acaso. Por
isso, antes de dormir, guardava cuidadosamente os livros e os cadernos
necessários para o dia seguinte. Inseparáveis, os lápis de cor tinham lugar de
destaque, num género de bolsa secreta, que só ela conhecia na mochila. Não era
por egoísmo que não os emprestava a ninguém. Apenas fazia deles o seu tesouro
melhor guardado, prontamente denunciado pelo seu sorriso capaz de encher o
Mundo de alegria. Acompanhada pelo orvalho da manhã, Alice desceu a rua e subiu
encantada a escadaria da escola. Chegou a horas. Como sempre. Mas a alegria
habitual deu lugar a um enorme ponto de interrogação. A professora pediu para
fazerem uma redacção. O tema: o que é a vida. Alice ganhou rosetas e começou a
brincar com as tranças ruivas, como quem enrola os caracóis. Só se lembrava das
expressões dos adultos: “Ai a minha vida!”;
“E agora, o que vai ser da minha vida!”; ”Isto não é vida não é nada!”; “Mas que vida é esta!”; entre outras. Ainda
era cedo e a ideia da redacção caíu que nem uma bomba no pensamento da pequena
Alice. Com um sorriso matreiro, lá se decidiu começar a escrever. Escreveu e
entregou. Acto contínuo. Deixou todos em estado de choque, começando pela
professora. “Alice, vem cá ler a tua
redacção para todos ouvirem”, pediu a professora. “A vida é a vida”, leu e terminou. “Achas que isso é uma redacção?” – perguntou a professora. “Sim, porque cada um tem a sua”, respondeu,
visivelmente orgulhosa por ter feito pensar toda a turma, incluindo a
professora.
Reticências
(Text &
Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)